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quinta-feira, julho 24, 2008

PROCESSO DE CONCURSO DOCENTE, BRASIL E EUA

No ano passado, perto de terminar o doutorado, participei de alguns concursos para professor de literatura aqui nos EUA. Embora também tivesse pensado em prestar concursos no Brasil, essa possibilidade se mostrou difícil diante da demora do processo de revalidação do diploma de doutorado. Lembrando que eu nem sequer tinha o diploma de doutor, resolvi jogar todas minhas fichas no mercado de trabalho americano. (Eu ainda não tenho o diploma hoje, o que não é empecilho para ser contratado numa universidade norte-americana, desde que você mostre a viabilidade de doutorar-se em tempo hábil)

Para quem está acostumado com os concursos para professor no Brasil, o processo é bem diferente. Primeiro lugar, o processo é todo coordenado, ou melhor, facilitado pela Associação de Linguas Modernas (MLA). As universidades lançam os editais das vagas abertas numa lista patrocinada pelo MLA. Todos estudantes e possíveis candidatos a empregos têm assim uma lista unificada, com todas as vagas abertas para professor em todo o país. No geral, eles pedem os seguintes materiais: uma carta de apresentação, um CV, um artigo, um capítulo de tese, avaliações dos alunos para examinarem suas qualidades pedagógicas(nos EUA, a imensa maioria dos alunos de doutorado já ensinou alguma vez) e, claro, cartas de recomendações dos seus professores. O candidato manda esse material para as universidades cujas vagas lhe interessaram. Eu mandei pra 10 (o mercado de literatura brasileira é relativamente pequeno). Tem gente que manda pra 80.

Depois de alguns dias, se algum comitê de seleção for com sua cara, você recebe uma ligação ou e-mail, pedindo para agendar uma entrevista com você na cidade em que o MLA vai se reunir naquele ano. Cada ano é num lugar diferente. Ano passado, quando eu fui, a reunião aconteceu em Chicago. Próximo ano será em San Francisco. Nessa convenção do MLA é onde acontece toda a primeira fase do processo: as entrevistas. É um das situações mais esquisitas que já vivenciei: entrar no lobby do Shereaton em Chicago e ver aquela multidão de estudantes e críticos literários, vestidos de paletó e gravata, visivelmente desconfortáveis com os novos trajes, concentrando-se e ensaiando para as entrevistas. Nunca me senti tão puta na minha vida. Vestido bonitinho, pronto pra falar coisas que agradassem, e - o pior - fazendo entrevistas em quartos de hotéis!.O lobby do Shereaton em Chicago era a metoníma perfeita do capitalismo acadêmico americano. E nessas horas, eu pedia por um pouco da velha meritocracia brasileira.

Um candidato pode ter inúmeras entrevistas. Uma amiga teve 16, eu tive 4.

As entrevistas costumam ter de 20 a 30 minutos, e os comitês de seleção geralmente perguntam sobre seu projeto intelectual, e dependendo da instituição, sobre o seu estilo de ensino. É muito difícil saber se você se saiu bem ou mal na entrevista. Com o término dessa primeira fase, todo mundo vai pra casa. Essa convenção se dá entre Natal e ano novo, todo ano.

No final de dezembro, início de janeiro, aquelas instituições que lhe entrevistaram e gostaram de seu papo, ligam pra você e pedem para que você faça uma visita ao campus. Geralmente, as instituições recebem umas 100 candidaturas para cada vaga. Dessas, escolhe 10 para a entrevista na convenção, e dessas 10, escolhe 3 para a visita ao campus. Detalhe importante: por lei, a visita ao campus é paga integralmente pela instituição que convida o candidato (passagem, hospedagem, custos com alimentação).

Das quatro entrevistas que fiz, três me chamaram. E lá fui eu visitar os campi de três universidades americanas. Embora tenha esse nome agradável, de visita, a experiência também é bem estressante. Você está novamente com aquele paletó e gravata que você só usou uma vez na vida (na convenção!), tendo que jantar e almoçar com professores, ter reuniões com o chefe do departamento e com o decano, falando ad infinitum sobre seus projetos intelectuais e sobre possíveis aulas que poderia ensinar. Depois você almoça com os alunos de pós-graduação, gente como você, mas agora você não pode se comportar como um aluno de doutorado (por isso nada de olhar o decote das moças!), mas como um futuro professor daquela instituição. Ademais, ao final da visita você tem que dar uma palestra, geralmente sobre o assunto de sua tese. A palestra é o momento pra mostrar o seu vigor intelectual.

Finalmente, depois das visitas, as universidades que gostaram de você, fazem o convite para você ser professor daquela instituição. É o fim de uma corrida estressante que dura mais ou menos 5 meses - de início de setembro, quando os primeiros editais são lançados, até fevereiro, quando as universidades fazem os convites de emprego.

Ao longo de todo esse processo, conversei com amigos brasileiros. Quase todos estranharam bastante o processo. Como pode haver seleção sem provas de título, sem provas escritas, sem aquela imparcialidade típica dos concursos republicanos? As entrevistas, a palestra, não dariam espaço para elementos extra-meritocráticos de avaliação, como a beleza, a simpatia, o carisma?

Pensei bastante sobre esse processo americano e comparei com o processo brasileiro. E, por incrível que pareça, cheguei à conclusão que nosso concurso republicano não necessariamente favorece a diversidade de formação do corpo docente nem muito menos é acessível para a maioria dos estudantes. E que o sistema americano, em certa medida, é mais eficiente nesses quesitos.

Algo que me chama a atenção é a incrível endogamia intelectual das universidades brasileiras, ou no popular, as panelinhas.

Vou falar aqui de duas universidades brasileiras: A UFPE, onde me formei em ciências sociais, minha alma mater e a USP, reconhecidamente a melhor universidade do Brasil. Todas elas fazem concursos públicos para preencher as vagas docentes.

Na UFPE, o modelo, na época que eu estudava lá, era o seguinte: o aluno saia da graduação, fazia mestrado no programa de sociologia da universidade e depois era mandado para fora, para fazer doutorado, geralmente na França ou Inglaterra ou nos EUA. Na volta, a chance era bem grande de se tornar professor da universidade. Dos 16 professores do departamento de sociologia, 12 fizeram graduação ou mestrado na UFPE, e 4, apenas 4, isto é, 25% dos professores, não fizeram nem graduação nem pós-graduação na UFPE. O concurso é aberto pra todos os brasileiros que preencham determinados requisitos. Mas um corpo docente que tem 80% de ex-alunos diz bastante sobre a diversidade de formação dos professores e sobre o viés do concurso. Na área de literatura, onde eu provavelmente poderia fazer um concurso, há 8 professores que ensinam teoria literária. Só dois não fizeram mestrado na Universidade.

Na USP, a coisa é ainda mais endogâmica. Eles nem sequer mandam os alunos pra fazer doutorado fora. A grande maioria faz doutorado lá mesmo. E quando eu digo grande maioria, não estou fazendo uso de hipérbole. 85% dos professores de sociologia da USP fizeram doutorado na própria universidade (e boa parte fez graduação e mestrado). Isso mesmo. De 32 professores, apenas 5 não tem diploma de doutorado da USP. Se você é sociólogo, e acalenta o sonho de ser professor no departamento onde Florestan Fernandes fez história, eu aconselho que você faça doutorado na USP, pois suas chances serão bem maiores. No Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, de vinte professores, dezesseis são doutores pela USP, isto é, 80%. E no programa de literatura brasileira da USP , todos os 14 professores foram doutores pela USP.

Imaginem como devem ser esses concursos, em que ex-alunos e professores se encontram. Em que ex-alunos sabem exatamente que tipo de abordagem deve fazer em relação a tal assunto, que tipo de leitura de Machado é a mais apreciada pela banca, que temas são tabus para tal e tal professores.

É a prova que concurso público, "cego e impessoal", não evita panelinhas acadêmicas. Claro que não há uma cota pra uspianos, mas se você é uspiano e vai fazer um concurso para entrar na USP, suas chances são bem maiores do aquele cara da UFMA. A resposta de muitos uspianos seria dizer que a USP produz os melhores doutores de sociologia do Brasil. Natural que passem nos concursos da universidade. Caramba, e o IUPERJ? E a UFRJ? E a UFMG? e a Unicamp (que tem UM professor la)? A própria crença que uma universidade produz os melhores, e os melhores devem ser professores daquela universidade, mostra como o processo de reprodução institucional não deixa de lançar mão da auto-congratulação.


Nos EUA, no departamento onde eu estudei, em Berkeley, nenhum, absolutamente nenhum professor era formado na graduação, no mestrado ou no doutorado por Berkeley. Isso é quase um ponto de honra para a grande parte dos departamentos das universidades americanas. Sobre os problemas que a endogamia intelectual pode causar, não vou comentar. A biologia pode fazer isso melhor do que eu.

Isso quer dizer que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil? Não. Mas eu acho que o modelo americano tem algumas virtudes que merecem ser discutidas. Uma delas, por exemplo, é a coordenação do processo de seleção: entrando numa homepage você sabe quais são os editais abertos em todas universidades do país. Outra virtude é centralizar a primeira fase do processo numa cidade, onde todos vêm fazer entrevistas. Em vez de ir para quatro cidades diferentes prestar concursos, pagando passagens, hospedagem, comida, nas quatro cidades, basta ir a apenas um lugar. Qual é a maior consequência disso? A diversidade de pessoas que irão se candidatar a esse posto multiplica. Se os concursos fossem atomizados, como é no Brasil, eu faria apenas aqueles que estivessem na Califórnia, perto de onde eu morava. Iria gastar uma grana preta nesses lugares, mas iria economizar na viagem. Não iria para lugares da Costa Leste, por exemplo. Com a unificação da primeira fase numa cidade, tudo facilita. Eu posso ser entrevistado pelas Universidades do Alaska, da Flórida, de Porto Rico, tudo isso numa cidade. Se eles gostarem de mim, eles pagam a minha despesa para visita, e desse modo, garantem um pool mais diverso de candidatos.

Claro que essas coisas não podem ser aplicadas assim, sem mais nem menos, afinal as universidades não têm dinheiro, e não dá para comparar nossas universidades com o sistema universitário americano. Mas acho que é preciso pensar seriamente em modos de democratizar o acesso de brasileiros das várias regiões do país para os concursos, e estimular o genuíno intercâmbio intelectual de várias tradições e escolas do pensamento. Creio que o modelo brasileiro, com sua reprodução muitas vezes auto-congrulatória, evidenciada por uma endogamia acadêmica, que em alguns casos, chega a mais de 80% do corpo docente, precisa ser questionado.

Isso faz sentido, ou depois de passar pelo moinho capitalista do mercado gringo, voltei muito americanizado?

LINKS:

Corpo docente de sociologia UFPE
Corpo docente de sociologia USP
Corpo docente de Teoria Literária UFPE
Corpo docente de Teoria Literária USP
Corpo docente do Departamento de Espanhol e Portugues de Berkeley

sexta-feira, julho 18, 2008

BLOGAGEM COLETIVA

Estou fazendo parte agora de um blogue coletivo chamado Amálgama. Deverei escrever pra lá duas vezes por semana. Apareçam por lá, façam uma visitinha.

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