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sexta-feira, março 23, 2007


CIÊNCIA COMO (E)VOCAÇÃO

Outro dia estava lendo um manual de sociologia que tinha a introdução de uma antiga professora minha. Essa professora marcou, digamos assim, algumas gerações lá na UFPE. Mexeu tanto com o imaginário da rapaziada que até ganhou letra de música de uma banda underground do Recife. Como eu sou um fã dela (da professora, não da banda), não perco oportunidade de ler o que ela escreve.

Nessa introdução, ela falava das razões que a teriam levado a fazer o vestibular de ciências sociais. Disse, veja só, que foi fortemente influenciada por....Indiana Jones, o arqueólogo mais aventureiro de Hollywood. Ela queria ser Indiana Jones quando crescesse. Depois, claro, mudou a rota de seu caminho e tornou-se uma filósofa da ciência, algo bem distante da excitante vida de Dr. Jones.

O testemunho da minha professora levou-me a uma digressão. Comecei a pensar o que levou a ter feito o vestibular de ciências sociais. Ou mais precisamente: quando foi que encontrei e defini minha vocação de sociólogo. Até porque eu acredito que os sociólogos são seres especiais. Não é uma profissão comum como contador, engenheiro e bancário. Os sociólogos têm a missão de salvar a humanidade, embora ninguém os escute.

O meu encontro com a minha vocação se deu por volta de 1988. Eu tinha oito anos, o que certamente mostra o quão precoce eu sou. Eu vivia em Natal, mas passava as férias na casa de meu avô, no Recife. Sim, o Recife naquela época era o Recife "da casa de meu avô", onde eu era amigo do rei: podia acordar tarde, andar descalço, comer todo tipo de doce e chocolate. Bons tempos. Vovô andava comigo pra cima e pra baixo com seu Chevette e sempre que a gente passava por Apipucos ele me mostrava a casa de Gilberto Freyre. Dizia: "Aí é a casa de Gilberto. Grande homem!". As palavras de meu avô eram invariavelmente elogiosas. Ele mostrava uma certa reverência ao sociólogo de Apipucos. Um dia, passamos pela casa de Freyre e meu avõ contou uma história:

- Quando Gilberto viajou pra África, ele teve relações com várias africanas pra saber como era.

Vovô falava assim com esse termo técnico, "teve relações".

Eu fiquei um tanto surpreso com aquela história e perguntei.

- Mas, vô, ele não era casado?

- Sim, era, com dona Madalena. E pediu autorização para ela.

Vindo de uma família protestante, eu vivia aturdido com dúvidas teológicas.

- Mas se ele é casado, isso não é pecado?

E meu avô responde:

- Sim, é pecado. Mas pra ele não é, porque ele é sociólogo, é cientista, faz isso para escrever os livros dele, entende?

Ficamos em silêncio eu, meu avô e minha vocação sociológica. Todos havíamos entendido.

Dez anos depois, 1998, eu entraria no curso de ciências sociais.

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