domingo, novembro 12, 2006
EICHMANN, ÉTICA, A MORTE DO PT E OUTRAS QUESTÕES
Em 1963, a filósofa alemã Hannah Arendt publicou o seu livro Eichmann in Jerusalem. O livro foi resultado de uma reflexão que Arendt começou a fazer quando relatava, para a Revista New Yorker, o julgamento de Adolf Eichmann, oficial da SS (polícia de Hitler), responsável por toda logística de transporte dos judeus do gueto para os campos de concentração. O perfil de Eichmann não deixa de ser intrigante: era um burocrata sem religião, não tinha pendor anti-semita, nem possuia nenhuma visão extremista sobre nada. No entanto, era ele ele quem estava na chefia da engenharia da chamada Solução Final, que vinha a ser a matança sistemática dos judeus. No julgamento, Eichmann deixou claro que não havia realizado aquilo porque tivesse algo contra o povo judeu, mas apenas seguia ordens. Tudo que ele fez, havia sido feito sob o respaldo da lei de seu país. Por que condenar alguém como Eichmann?
O argumento de Arendt coloca em xeque a visão de que o Holocausto foi realizado por personalidades malignas, mentalmente patológicas. Eichmann era a encarnação do havia de mais mediano ou normal, seja na sua personalidade ou na sua visão política. Arendt constrói uma quadro de "empatia sociológica" (compreende o contexto que levou a ação de Eichmann) sem nunca cair numa justificativa da ação. Pois ao justificar, estaria entrando no plano ético. E é nesse plano, que ela mais agudamente levanta o problema. Para Arendt, mesmo no totalitarismo, com suas leis absurdas, outros tipos de ações são possíveis. Ela exemplifica com outros países da Europa, sob domínio nazista, como a Dinamarca, onde a colaboração para a Solução Final foi demandada, mas acabou não acontecendo, por resistência da própria sociedade. O agir humano nunca é determinado inexoravelmente por lógicas sociais maiores.
Digo isso, pois pensei muito no livro de Arendt, diante de uma discussão com Jampa que aconteceu no blog dos irmãos Jurema(http://bocejando.blogspot.com) sobre a possível morte (simbólica) do PT. A meu ver, um dos momentos onde essa morte ficou mais clara foi depois da famosa entrevista de Lula em Paris. Nessa entrevista, o presidente do Brasil admitia que seu partido havia cometido um crime eleitoral (a estratégia era confessar o crime eleitoral, para escamotear um crime maior que seria o mensalão). Não só isso, mas dizia que o PT havia feito o que todos os outros partidos no Brasil faziam. Não só confessou o crime em nome de seu partido, mas em nome de toda classe política do Brasil. Lula não podia dizer, como Eichmann, que seguia ordens, ou que obedecia à lei, pois caixa 2 ainda é crime, mas certamente há em seu argumento um reconhecimento de que obedecia a uma lei implícita - estabelecida no submundo da política. Caso não obedecesse, poderia ser superado. Para um Partido que havia crescido na política com a promessa que outro Brasil era possível e que outras maneiras de se fazer política eram possíveis, tratou-se certamente de uma atestado de óbito daquele projeto alternativo de sociedade mais radical. Mas a questão principal é: outra maneira de fazer política é possível? É possível fazer política que não seja seguindo a lógica pequena de nossas práticas políticas? Ou nos tornaremos cínicos com esse tipo de "sociologica empática", que não nos revela saídas possíveis para a crise?
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PS- Em tempo, Adolf Eichmann foi condenado ao enforcamento pelo Estado de Israel em 1962. Os mesmos que sofreram com a barbárie, recorreram a métodos bárbaros para punir os seus inimigos. Poderiam não ter feito isso, mas fizeram. E Hannah Arendt poderia ter apontado esse impasse, mas também não fez.