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quarta-feira, março 23, 2005

LULA PRA PRESIDENTE (NO REGIME PARLAMENTARISTA)

Cada vez fico mais convencido que Lula seria um ótimo presidente, no regime parlamentarista. Explico: acredito que Lula, como chefe de estado desempenha um papel importante, afinal ele simboliza a vitória de um nordestino retirante que se tornou líder sindical e alcançou a presidência do país. Mas não só isso: é queridinho no estrangeiro e sua retórica esquerdista terceiro-mundista poderia ter certa ressonância aqui fora do Brasil. No entanto, como chefe de governo, sua atuação é lamentável. Nunca vi um presidente ser tão mau gerente.

Lula tem um dom de aumentar crises, quando se sabe que o que caracteriza o bom administrador é sua capacidade de minimizá-las ou esvaziá-las. Os exemplos são inúmeros: desde o caso do repórter do NYT até o crime de prevaricação ingenuamente confessado em palanque. O mais recente é essa reforma ministerial. Toda reforma ministerial tem como o objetivo fazer o governo andar melhor, ou conquistar mais apoio no Congresso. Lula conseguiu deixar o governo ainda mais desgastado. Além de ter dificuldade de demitir amigos (embora não tenha nenhuma dificuldade em empregar esses mesmos amigos), leva tudo num tom muito emotivo e pessoal. Eu me lembro que quando adversários diziam que Lula deveria ter uma experiência administrativa anterior à Presidência, os petistas menosprezavam, considerando tais julgamentos sintomas de preconceitos das elites brasileiras, incapazes de vislumbrar um severino (oops, no sentido cabralino) na presidêndia do país. O que se pode concluir hoje é que tais avaliações não estavam completamente erradas e que, certamente uma experiência administrativa no governo de São Paulo ou na prefeitura de São Bernardo teria feito um bem enorme para o nosso presidente.

Se o Brasil não estivesse tão envolvido nessa luta estéril entre tucanos e petistas (cada vez mais parecidos) eu diria que o governo ideal seria Lula presidente, e Serra, primeiro-ministro. Serra é um gerentão competente. Verdade que sem nenhum carisma. Mas quem precisa ter carisma é Lula, para exercer a função de chefe de estado. A Serra caberia tocar a máquina, coisa que ele sabe fazer bem.

sexta-feira, março 18, 2005

AQUARELA

Essa foi uma das semanas mais ocupadas do semestre, pois antecedeu ao Intervalo de Primavera, que é uma semana livre que os estudantes do EUA têm. Como intelectual terceiro-mundista não conhece idílio ou descanso (será?), usarei a semana para retocar ou começar trabalhos acadêmicos.
Uma amiga me passou esse link do Laboratório de Desenhos com um filminho baseado na música Aquarela de Toquinho. Particularmente, acho essa música linda porque toca no tema encantamento do mundo por parte da criança. A música trata de uma capacidade nossa que esquecemos depois que crescemos, que é a capacidade de viver muitas vidas e de imaginar muitos mundos possíveis (algo muito quixotesco). Também trata de um tema que evitamos pensar que é o da nossa finitude. Os dois temas são lidados com muita beleza e leveza. Espero que vocês gostem do desenho.


http://www.laboratoriodedesenhos.com.br/aquarela.htm

segunda-feira, março 14, 2005

15 DE MARÇO DE 1985

Para os que gostam de história, sobretudo de história política, recomendo que entrem no website de Ricardo Noblat (http://noblat.blig.ig.com.br/). Ele vai fazer um experimento interessante: a partir de meio dia de amanhã, dia 14 de março, Noblat vai escrever como se estivesse em 1985, em plena expectativa para a posse do primeiro presidente civil depois de 20 anos de ditadura militar. Sabe-se que Tancredo foi internado algumas horas após a Missa acontecida na Catedral de Brasília, na noite de 14 de março. Foram horas verdadeiramente dramáticas para nossa prematuríssima democracia, pois houve um impasse para saber quem iria assumir a presidência. Sarney (vice-presidente) ou Ulysses (presidente da Câmara dos Deputados)? No meio de tudo isso, houve boatos de golpe militar (mais um, pra variar). Acho que vale a pena conferir. Afinal, faz apenas vinte anos que o Brasil vivia esse tipo de dilema e insegurança. Não custa nada recordar também que há exatos quinze anos atrás (1990), um presidente maluco iniciava seu mandato confiscando a poupança dos brasileiros, numa tentativa - evidentemente falha - de acabar com a inflação. Hoje temos instituições um pouco mais sólidas - embora os Sarneys da vida ainda vicejem com persistência no noticiário nacional.

PS- Pessoalmente, a única lembrança que eu guardei desses dias confusos foi o dia da morte de Tancredo, que aconteceu um mês depois desse imbróglio da posse. Lembro desse evento público por causa de uma memória privada: vi minha mãe chorando, quando assistia ao enterro pela televisão, ao som do Hino Nacional, cantado por Fafá de Belém (também tocava-se frequentemente Coração de Estudante de Milton Nascimento, a ponto de ser impossível não associar a música com o acontecimento). Tinha 5 anos de idade e aí percebi, pela primeira vez, o quanto a política podia mexer com as pessoas.

PS2- Quem gosta de pesquisar coincidências de datas, aí vai uma: Tancredo Neves morreu num domingo, dia 21 de abril de 1985 - dia de Tiardentes - que foi exatamente o mesmo dia que um jovem piloto brasileiro ganhava pela primeira vez um Grande Prêmio, em Estoril (Portugal), sob intensa chuva. Ele se chamava Ayrton Senna da Silva.

sábado, março 05, 2005

O CHE DE WALTER SALLES

Ontem esteve aqui em Berkeley o diretor Walter Salles. Pude de fato trocar umas palavrinhas com ele, e o achei de uma simplicidade e simpatia cativantes. Fez uso dessa simplicidade e simpatia para dominar a platéia, com a ajuda de um inglês perfeito. Falou de alguns temas centrais de sua filmografia (a busca por identidade e o deslocamento ou a viagem como ativadora dessa busca), além de métodos recorrentes da sua maneira de filmar (a improvisação, a interação com as populações locais, num viés quase de documentário).

Como falava para um público americano, enfatizou mais o seu último filme - Diário da Motocicleta, que é sobre uma fase muito específica da vida do revolucionário Ernesto Guevara. Vou aproveitar algumas afirmações do próprio diretor sobre o filme, para fazer os meus juízos. Apesar de ter gostado do filme, fiz algumas ressalvas e cheguei a discuti-las com alguns amigos. Seria interessante colocá-las aqui no blogue.

Walter Salles falou ontem que o filme tinha o objetivo de narrar um momento de transformação da vida do revolucionário. Ele procurava indagar, no filme, algumas pistas de como Ernesto Guevara veio a se tornar El Che. Nesse sentido, o filme de Salles é um filme bastante preocupado com essa dimensão ética de como os homens aprendem com suas experiências, e como, aprendendo com essas experiências, tais homens forjam valores que guiam suas existências. A viagem pela América Latina seria uma dessas experiências fundadoras da personalidade guevarista.


Outro ponto levantado por Salles é que ele procurava não mastigar muito o enredo para o espectador. Ele preferia que o espectador preenchesse as lacunas que o filme oferecia, ao invés de conduzir a interpretação do espectador.


E, por fim, Salles advoga que seu filme foi na contracorrente da mitologia de Che Guevara, que o colocava no pedestal, como um santo. O cineasta acredita que seu filme tornou Che mais humano, assim como eu e você.

Fiz essa lista de três pontos porque acho que elas são muito ricas para discussão do filme. A pergunta que fica é: sendo essas as intenções do autor, teria o filme resultado naquilo que ele planejou? A pergunta é necessária, pois em estética o abismo entre intenção e resultado pode ser enorme.
Na minha opinião, esses pontos - ou intenções - não foram realizados artisticamente. E aqui centro minha discussão na questão propriamente estética, ou seja, na construção da narrativa do filme.

Por exemplo, na maneira como a narrativa é apresentada para o espectador se vê muito pouca transformação interna no personagem de Che. Desde o começo ele é apresentado como um jovem de uma correção moral invejável - incapaz de mentir (mesmo em situações em que mentir traria benefícios), de trair a namoradinha, etc. Essa força moral de Che não é adquirida ao longo do filme, nem é modificada. Sempre esteve com ele. Nesse sentido, acredito que o filme não é um filme sobre a transformação de alguém, nem muito menos coloca em suspeição o mito de Che Guevara. Pelo contrário, o filme é ele próprio a encenação do mito de origem do mito Che Guevara. O que se vê no filme é uma verdadeira fábula do altruísmo - em que um jovem remediado de classe médio irá renunciar os confortos e as comodidades para servir ao próximo. É uma versão quase cristianizada de Che, que assim como o Cristo, tem que passar por algumas tentações para afirmar o seu caráter (as situações em que Che, com dinheiro da namorada, se vê tentado a gastar tal dinheiro para levá-lo ao hospital, ou para comer. Sabe-se, no final, que o dinheiro foi dado para o casal de mineiros).

A cena em que Che atravessa o rio,no dia de seu aniversário, para comemorá-lo com os leprosos nunca aconteceu na realidade, ou pelo menos, não foi registrado no diário de Che. Aquela cena, de grande carga melodramática, poderia contradizer o que Walter Salles tem a dizer sobre não gostar de mastigar o filme para a platéia. Afinal, aquele trecho do filme tem a função de deixar bastante claro para o espectador - caso não tenha ficado evidente em partes anteriores do filme - que aquele personagem está disposto a superar suas próprias adversidades (como a asma) para servir ao próximo, especificamente os mais pobres. Digamos que a cena não é marcada pela sutileza - que, talvez, Salles gostaria de ver associada ao seu cinema. O diretor está de fato querendo make his point. Não há aqui lacunas a ser preenchidas.

Esses são os problemas que eu vejo em Diários da Motocicleta, quando analiso a construção estética sob o ponto de vista da intenção autoral. Mas, ainda assim, cabe-se registrar, trata-se de um belíssimo filme.

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