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terça-feira, abril 27, 2004

FEBEAPÁ

Se Stanislaw Ponte Preta ainda estivesse vivo, teria muito trabalho para continuar sua coluna Febeapá (Festivais de Besteira que Assolam o País). N?o por falta de trabalho, mas por excesso. Há tanto besteirol e non-sense no noticiário brasileiro - e não só brasileiro -, que ficaria difícil selecionar qual é a mais aberrante.
No entanto, no meio de tanta besteria, o caso da Universidade de Brasília se destaca. A UnB será a primeira universidade federal a adotar o sistema de cotas raciais. Sempre que se pensa em implementar cotas raciais no Brasil, a pergunta mais evidente surge: como definir quem é negro e quem não é negro? Na UERJ, para tentar resolver esse problema, resolveram adotar a auto-definição. Pois bem, no país da malandragem houve loiros nórdicos se definindo como mulatos. Outra pergunta surge: como achar um critério mais objetivo e isento?
Lembro que o então candidato Lula, em pleno debate presidencial de 2002, disse que negros entrariam na universidade brasileira e que havia "critérios científicos" para definir se a pessoa era negra ou não. Talvez inspirados pela sabedoria antropológica do chefe da nação, os organizadores do vestibular da UnB lançaram uma novidade: agora quem quiser fazer parte da cota tem que tirar uma foto para provar sua negritude. Ou melhor, uma comissão de ilustrados irá avaliar, a partir da apreciação das fotos, quem é negro e quem não é.
Não é só a antropologia desses senhores que está no século passado. Eles parecem pensar que a tecnologia fotográfica ainda é da época do Império. São dos anos pré-photo shop.
Mas voltando à antropologia (pois fotografia não éo assunto desse blogue tão verbal e pouco ou nada imagético), sinto algo de lombrosiano nessa atitude de, a partir de um colegiado de sábios, definir qualquer que venha a ser a sua raça. Cesare Lombroso (1835-1909) foi o pai do que se chama "antropologia criminal". Ele tentava relacionar a anatomia cerebral, formato do nariz, declividade da testa com caracter?siticas mentais - e intencionava avaliar a partir dessa caracterísiticas se a pessoa era um sociopata ou não, por exemplo.
Já sábios da UnB dizem que a avaliação de raça "será feita pelo fenótipo, cor da pele e características gerais da raça. Porque esses são os fatores que levam ao preconceito". Claro que eles não se deram ao trabalho de dizer o que eles consideram "caracterísiticas gerais de raça". No entanto, o mais importante é que essas características gerais de raça estejam correlacionadas ao preconceito que elas mesmas provocam...entendeu?
Mais uma vez se mostra o rídículo de se querer copiar de modo acrítico soluções que os EUA deram para seus problemas. Se queremos colocar cotas, que o façam com critérios mais objetivos, e que possam atingir os excluídos sociais, independentes de raça (que aliás, para o desapontamento de Lula, não pode ser definida cientificamente). E se queremos ter cotas, sem ser populistas, que façamos tudo direito: Temos que dar condições para essas pessoas fazerem vestibular, terem bolsas enquanto estão cursando a universidade, e manterem suas auto-estimas por suas conquistas. Pior coisa do mundo é alguém entrar numa universidade por causa da "cota do Garotinho", ou da "cota do Lula". Criar uma cultura de "alunos da cota" é criar guetos que só fazem reproduzir ou até realçar os preconceitos que se pretende combater.


sexta-feira, abril 23, 2004

FOTOS

Estas fotos estão dando o que falar aqui nos EUA. O Pentágono está furioso com a liberação das tais fotos - que têm um valor simbólico muito grande. Uma coisa é saber dos números - abstração pura - de mortos. Outra é ver os caixões empacotados de bandeira americana.

domingo, abril 18, 2004

NÁUTICO CAMPEÃO...

Olha aí uma boa notícia: O Náutico Clube do Capibaribe foi campeão do Campeonato Pernambucano.Eu costumo brincar que se Kafka - o romancista do Absurdo -, ou Beckett -dramaturgo do Absurdo - fossem pernambucanos, eles torceriam pelo Náutico. Simplesmente porque o Náutico nunca ganha. Torcer por um time que nunca ganha tem um quê de Absurdo. Como vivemos na Era do Absurdo, o Náutico foi campeão. Mas convém não filosofar muito com um assunto tão prosaico - o futebol pernambucano.

A tempo: eu sou torcedor do Nautico por razões puramente filosoficas - essa espécie de empatia quixotesca que sinto pelos alvirubros, no eterno conflito entre o desejo de vitória e a inexorabilidade da derrota (ou do vice-campeonato). Kafka, se fosse alvirubro, diria que torcer pelo Náutico é quase uma metáfora da vida.

quarta-feira, abril 14, 2004

MUNDO-CÃO

Ando apertado com os prazos. Maldita dissertação que não acaba. . Estarei indo para Los Angeles na sexta-feira, para uma conferência na UCLA, portanto, também tenho que me apressar para terminar o trabalho que vou apresentar lá. Ando sem tempo de postar. Ultimamente houve uma tempestade de notícias ruins. Não consigo achar uma notícia boa vinda do Brasil. Ora são as politiquices nojentas de Brasília, ora é a briga de "Dudu" e "Lulu" - arrasando com a Rocinha, que segundo o vice-governador do Rio, deveria ser cercada por um muro (muro da vergonha brasileira). Sem deixar de lado as estatísticas do spread brasileiro, da violência brasileira, digna de uma guerra civil (o número de homicídios aumentou 130% nos últimos 20 anos).
A Guerra do Iraque não podia ser mais desastrosa. Só semana passada morreram 600 iraquianos. Imagine o efeito multiplicador dessas mortes: irmãos, filhos, primos, parentes desses mortos cada vez mais dispostos a lutarem e explodirem os americanos. Que mundo triste. Que barbárie.
Uma outra notícia é que o Náutico, meu time de futebol, perdeu do Santa Cruz, na primeira rodada da final do Campeonato Pernambucano. Não é uma notícia boa, mas pelo menos está dentro da normalidade. Menos mal...

quarta-feira, abril 07, 2004

HOMO VIATOR

Quando era pequeno eu queria ser aviador. Os adultos sempre perguntavam o que queria ser quando crescesse, e eu sempre respondia prontamente: piloto de avião (se você tem conhece um menino de 6 anos que quer ser sociólogo quando crescer, é melhor levá-lo para um psicólogo, pois está com alguma coisa errada!) Hoje fico pensando o que é que me atraía tanto nessa profissão e chego à conclusão que era por causa da viagem. Desde pequeno tinha uma intensa vontade de viajar, de conhecer outros horizontes. Adorava ir para o aeroporto, para ver aquele movimento danado de gente. Gente que se despedia, gente que chegava - aquele trânsito humano me fascinava. Um dia, passando férias em Boa Viagem, convenci meu pai para vermos um 747 da Air France que iria pousar no Aeroporto Guararapes. Olhando de hoje, parece um programa de índio, ou como dizem os cariocas, parece um programa de "paulista" - ficar vendo avião no aeroporto. Felizmente meu pai foi sensível ao meu pedido e me levou para o aeroporto. E eu, claro, adorei o programa. Fiquei impressionado com o gigantismo do avião, com as pessoas que desciam, vindas direto da França para Recife -uma coisa do outro mundo.

***

Eu cresci, resolvi estudar sociologia, para logo depois adentrar-me na seara dos críticos literários. Fico pensando: onde foi parar aquele aspirante de aviador que havia em mim? Eu sei que é difícil achar continuidades entre meus sonhos de criança e meus interesses atuais. No entanto, acredito que haja uma linha tênue que conecta esses dois universos. Ou como diria Brás Cubas, de uma maneira muito mais espirituosa que a minha, o "menino é o pai do homem". De algum modo, esse meu interesse pela viagem, pelo descortinamento de outras paisagens se metamorfoseou. Tento explicar.

Quando alguém me pergunta por que se deve ler, eu sempre tento responder: para viver outras vidas, para descobrir outros mundos. Parece um lugar-comum um tanto tolo, mas sou obrigado a reconhecer a verdade iniludível do chavão.

Isso parece evidente na experiência estética. A leitura de um romance possibilita o exame de uma vida. A literatura nos dá esse presente de viver outras vidas - de experimentar dilemas e sensações que talvez nunca cheguemos a ter em nossa vida real. No entanto, devido à encena??o, ao faz de conta fictício, realizamos e incorporamos uma reflexão que sem essa experiência estética seria impossível de ser atingida. Em outras palavras, vivendo outras vidas - por meio da ficção -, criamos uma espécie de repertório de referências e reflexões, difícil de ser construído no ramerrão de nossas vidas ensimesmadas.

Mas isso também está na história (viagem pelo tempo), pela sociologia, na antropologia, nas ciências humanas em geral. Lembro-me quando estava no colégio, discutindo Revolução Francesa, liberalismo, socialismo com os meus colegas, o que mais me fascinava nesse debate era a possibilidade que cada uma dessas doutrinas sociais trazia em si - possibilidades de mundos alternativos ao meu. E foi muitas vezes lendo, na solidão reconfortante que essa atividade nos impõe, que achei resposta para dúvidas, consolo para angústias existenciais, passatempo para o tédio, ou antídoto para a pobreza de espírito de algumas pessoas que me cercavam. Para mim, toda atividade intelectual é um exercício de descentramento - sair do umbigo para chegar a algum lugar. É uma viagem. E muito mais fascinante do que aquela do 747 da Air France, que meu pai me levou para ver quando era pequeno.




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