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segunda-feira, janeiro 26, 2004

DUDU PRECATÓRIOS OU ORGULHO DE SER PERNAMBUCANO

Trecho do relatório da CPI dos Precatórios, assinado pelo relator, então senador Roberto Requião, hoje governador do Paraná e aliado de Lula.

Coube ao Estado de Pernambuco a infeliz posição de ser o mais perfeito, exaustivo e rico exemplo de atuação do esquema de sujeiras com o dinheiro público


O arquiteto dessa operação perfeita agora vai comandar o Ministério da Ciência e Tecnologia.

POLÍTICA

Noto que os assuntos políticos aqui no blogue sempre despertam os maiores comentários. Há amigos que reclamam, dizendo que eu deveria falar mais de meu dia-a-dia aqui nos Estados Unidos, em Berkeley, na International House, convivendo com gente de 80 países diferentes. No entanto, não consigo fugir dos assuntos políticos. O assunto é muito apaixonante. Sobretudo a política brasileira. Afinal, no Brasil ainda há tanto o que se fazer, tanto o que se discutir. Não consigo ter o mesmo nível de entusiasmo para falar das eleições americanas. E olhe que as eleições americanas mexem com a vida de todo mundo, principalmente de quem está fora do país. Já foi dito que quem deveria votar nas eleições nos EUA era o resto do mundo e não os americanos... Mas a política daqui é muito chata. Esses candidatos democratas são muito iguais. E o perfil do possível presidente americano é sempre muito igual: tem que ser branco, protestante, ir pra igreja, preferencialmente ter ido para alguma escola da Ivy League...e assim por diante.

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ABOLICIONISMO

Estou lendo O Abolicionismo de Joaquim Nabuco, e estou cada vez mais convencido da importância desse livro para a formação de uma cidadania brasileira. Nesse sentido, acho o livro de Nabuco muito mais importante do que Os Sertões de Euclides da Cunha, tão reverenciado como um livro cívico. Euclides tem sua beleza, na maneira como narra tragicamente o evento de Canudos, mas em muitos aspectos envelheceu. Seja pela teoria determinista que traz em seu bojo, seja pela linguagem rebuscada que o distancia do leitor contemporâneo. Nabuco, ao contrário de Euclides, continua legível. Sua reflexão sobre a escravidão como a nódoa da formação nacional é muito atual, assim como sua linguagem. O Brasil continua sendo um país que carrega as cicatrizes de um passado escravocrata. E não me refiro apenas às relações raciais, mas as relações sociais de um modo em geral. Isso pode ser observado no dia-a-dia do brasileiro, na arrogância de nossas elites, nas relações familiares, no machismo atávico, na maneira como as pessoas tratam os pobres e empregados como sub-humanos e assim por diante.

domingo, janeiro 25, 2004

REFORMAS...

E Lula finalmente reformou o ministério. De uma maneira muito "deseducada" demitiu o ministro da Educação. O argumento foi ótimo: ele precisava de alguém fora da área para fazer a reforma universitária. Chamou o gaúcho Tarso Genro para essa hercúlea tarefa. Seguindo o mesmo padrão de coerência, preferiu colocar alguém fora da área para a pasta de Ciência e Tecnologia: para o cargo vai "Dudu Precatórios", cujo nome de batismo é Eduardo Campos, herdeiro político do coronel esquerdista Miguel Arraes. Lula poderia continuar na mesma passada e nomear alguém fora da área para o Ministério das Comunicações. No entanto, o novo ministro, Eunício de Oliveira, é dono de várias rádios nos grotões cearenses. Ou seja, o rapazinho conhece bastante dos meandros desse setor.

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Na minha opinião Eduardo Campos é um péssimo nome. Não só porque não sabe nem como escrever a palavra Ciência, como também porque não é flor que se cheire. Ninguém hoje se lembra do escândalo dos precatórios, mas ele deve se lembrar bem.

Isso mostra como a aréa de Ciência e Tecnologia não está sendo desprestigidada pelo governo Lula que fica entregando o ministério para esses amadores. Diferença enorme para o governo FH, que tinha o competente Ronald Sardenberg dando as cartas.

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Quanto ao novo ministro da Comunicações, Lula não poderia ter feito uma escolha pior. Além de ser dono de rádios, Eunício é um daqueles empresários brasileiros que saíram do nada para uma fortuna de 40 milhões de reais, em poucos anos, tudo isso com negócios cujos clientes eram o governo (ele é genro do deputado Paes de Andrade, ex-presidente da Câmara dos Deputados). Quando entrou na política, sua fortuna multiplicou - um efeito muito comum no Brasil. Outro detalhe: o ministro até 1997 tinha dois CPFs.

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A única esperança é esse ministério do Desenvolvimento Social que será dirigido pelo Ananias. Vamos ver se as políticas sociais decolam agora.

segunda-feira, janeiro 19, 2004

Faz um tempinho que não apareço no blogue. Estive no último final de semana em uma acampamento lá pelo Norte da Califórnia. Também estou tentando resolver minha vida pois amanhã começam as aulas aqui em Bérquelei.

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Estou lendo Tempo Morto e Outros Tempos, os diários de Gilberto Freyre de 1915 a 1925, por razões óbvias. O diário é interessante e tem trechos deliciosos, apesar de estar ensopado do narcisismo de Gilberto Freyre, que pela boca de terceiros fica se chamando de gênio o tempo todo. Como "convivo" com Gilberto Freyre há muito tempo, já relevo esses defeitos. Acho-os até cômicos, de tão caricatos que são. No mais, ele também reescreveu muitos trechos, depois de adulto. Sabendo-se de tudo isso, ainda assim é um livro que vale a pena ler. Fala das iniciações amorosas de Giba, da crise de sua fé protestante, do impacto que teve em seu espírito a ida para os Estados Unidos, do impacto da volta para o Brasil depois de sete anos no exterior, e assim por diante.



quarta-feira, janeiro 14, 2004

POR QUE NÃO ME UFANO DO MEU PAÍS.

Os brasileiros andam orgulhosos por estarem fichando os americanos. O chanceler brasileiro disse que a reciprocidade não era para desrespeitar os americanos, mas para fazer com que os americanos respeitem os brasileiros aqui fora. Pois bem, antes de querer que os americanos "respeitem" os brasileiros nas alfandegas, a patuléia que não tem passaporte e não pensa em ir pra Miami bem que poderia ser respeitada dentro do país.
A situação dos hospitais públicos de Pernambuco é uma verdadeira afronta â dignidade humana, seja dos pacientes, seja dos profissionais que lá estão. (para os que não sabem, Pernambuco vive uma crise sem precedentes na saúde pública, pois os platonistas e médicos das principais emergências de Pernambuco estão pedindo demissão pelos salários humilhantes e pela absoluta falta de condições de trabalho - até remédios contra febre faltam nesses lugares). Gostaria de ver nossa classe média tão revoltada com os administradores da saúde pública quanto estão com os "nazistas" americanos. Mas, claro, o aeroporto de Miami faz mais parte da realidade deles do que a emergência do Hospital da Restauração. Classe média no Brasil só se mobiliza para protestar contra aumento do estacionamento do Shopping Center.
Enquanto não tivermos o sentimento verdadeiramente republicano (da res publica, da coisa pública) e não nos solidarizarmos com os cidadãos brasileiros que vivem nesse mundo-cão, chafurdaremos na nossa própria mediocridade...

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Saiu na crônica de Janio de Freitas no domingo: Lula está negociando cargos com o malufismo para ver se facilita a reeleição de Marta Suplicy em São Paulo. Cada vez mais, o presidente do Brasil dá munição para aqueles que acreditam que todos os políticos são iguais. Todos.

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Notícia peculiar, saída na Folha de S. Paulo de hoje. Fala sobre uma linha de ônibus assaltada sistematicamente todo dia na periferia de S. Paulo. Sim, exatamente o que você leu: todo dia.

A ousadia do grupo chegou a tal ponto que, após a prisão de três de seus membros em 26 de dezembro passado, passaram a ligar para a viação, avisando que iriam roubar mais coletivos -alegando que precisavam pagar advogados para os detidos- e ameaçando para que as ocorrências não fossem mais registradas no 54º DP, que fizera as prisões.
No ano passado, de acordo com a SPBus, a mesma quadrilha tentou fechar, por telefone, um "acordo" que previa o pagamento de um salário mínimo por mês (R$ 240), mais cesta básica e um roubo a ônibus por dia
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De fato, é muito bom saber que o governo está lutando para o brasileiro não ser desrespeitado na alfândega de Miami. É um alívio...

CORRERIA
Ando distante do blogue. Outro dia, eu fui olhar o prazo de entrega para o paper da Conferência no Texas e percebi que esse prazo era mais cedo do que eu pensava. Resultado: Tive que correr contra o tempo para preparar esse trabalho que vou apresentar lá em Austin. Isso quer dizer: madrugadas em cima do computador, editando o meu texto. Deixei a dissertação na gaveta para cuidar disso. O trabalho que vou apresentar chama-se "A luta pelo discurso: ensaio e cièncias sociais no Brasil"

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Venho trabalhando esses assuntos desde a faculdade. Já tá bom de mudar um pouquinho. Lembro que o primeiro trabalho que apresentei foi no CONIC (Congresso de Iniciação Científica). O nome era estrambólico: modernismo enquanto movimento de autognose da inteligència brasileira. Tinha uma visão muito ingênua do modernismo, e queria fazer uma ligação entre o movimento da década de 20 e o ensaísmo da década de 30. Michel Zaidan estava na banca avaliadora, e claro, não perdeu oportunidade de dar uma chicotada no meu lombo. Marxista de carteirinha, perguntou por que Caio Prado estava faltando na minha lista de "ensaístas" da década de 30. Tive que dizer que Caio Prado não escrevia tão bem assim...

Bons tempos do CONIC.

sábado, janeiro 10, 2004

VAI COMEÇANDO...
O semestre vai começando. Ontem tive almoço com meu orientador. No caradápio, comida tailandesa (comemos um pato suculento) e alguns planos para o semestre. Estarão acontecendo muitas coisas em Berkeley nesse primeiro semestre de 2004. Paulo Lins, o autor de Cidade de Deus, deverá ser o writer in residence no mês de fevereiro (ou março). Isso quer dizer que ele ficará lá no departamento, fazendo palestras, participando da vida universitária de uma forma em geral. Será interessante conhecê-lo. Três ministros de Lula foram convidados para participarem de um seminário no CLAS (Center of Latin American Studies): Cristovam Buarque, Marina da Silva e Olívio Dutra. Não sei se virão até porque a política no Brasil é muito instável. Mas se vierem, certamente lotarão auditórios aqui em Berkeley.

Notícia boa do dia: ganhei da I-House duas entradas para a Sinfônica de San Francisco, na sexta-feira, dia 16. Tocarão Beethoven e Strauss. Imperdível. Acho que Nyedja deve ir comigo.


terça-feira, janeiro 06, 2004

SEM MEDO DE SER FELIZ

Depois de muito puxa-encolhe, o PMDB deve entrar no governo Lula. Eunício de Oliveira e Garibaldi Alves deverão ser os peemedebistas premiados com o Ministério das Comunicações e o Ministério das Cidades, respectivamente. Merecíamos gente melhor nesses postos, pois, com o perdão da palavra, Eunício e Garibaldi são dois trombadinhas da política brasileira.

Eunício é genro de Paes de Andrade - que ficou famoso por colocar uma comitiva enorme dentro do avião presidencial para visitar a sua cidade natal, Mombaça, na época em que assumiu por uns poucos dias a presidência da república. O deputado cearense, que é dono de várias rádios no Ceará, será ministro das Comunicações, que entre outras coisas, cuida de concessões de rádio. Há um conflito de interesses nesse novo ministro.

Garibaldi Alves é filho de uma das oligarquias mais parasitárias do Nordeste. Os Alves mandam no Rio Grande do Norte já faz um bom tempo.

Tanto Eunício como Garibaldi representam o que existe de mais arcaico e ultrapassado na política brasileira. Serão promovidos pela caneta presidencial ao cargo de ministros.

Os pragmáticos de plantão tentarão justificar o gesto como sendo parte da realpolitik lulista. Afinal, isso garantirá hegemonia no Congresso. Os petistas mais tradicionais dirão que Lula mais uma vez traiu os princípios do partido.

A pergunta que eu faço é: será que é possível fazer política no Brasil sem esses eunícios e garibaldis? Ou os limites estruturais do próprio campo político brasileiro impelem qualquer presidente que esteja no Planalto a fazer conchavo com esse povinho?

domingo, janeiro 04, 2004

TÉDIO E DISSERTAÇÃO

Tenho trabalhado muito ultimamente. Enquanto a maioria dos amigos brasileiros estão aproveitando o verão - e espero que estejam aproveitando bem -, tenho trabalho bastante, tanto na International House, como na dissertação. A dissertação anda meio empacada. Problemas de redação. Haverá sempre um abismo entre pensamento e linguagem. Alguns conseguem transpor com sucesso esse abismo: mostram novas formas de pensar, recriando a linguagem. Outros, como eu, caem e se machucam. E depois ficam tentando escalar a vida com palavras. Words, words, words. Palavras são apenas palavras. Drummond certa vez disse - ou melhor, escreveu - que viver é lutar diariamente com as palavras. Para depois acrescentar que não havia luta mais vã do que essa.

Fora isso, tenho que revisar dois trabalhos. Um que eu tenho que mandar para uma conferência no Texas, cujo prazo de entrega (as famosas deadlines) já está batendo na porta. E pensar que há gente no Brasil que imagina meu exílio californiano é um idílio.

* * *
Ontem assisti a Citizen Kane, junto com um documentário sobre o próprio filme. E pensar que Orson Welles dirigiu aquela pérola com 24 anos. Dá até vontade de desisitir de tudo, meu deus!

quinta-feira, janeiro 01, 2004

ANO NOVO...

Depois de uma infecção intestinal das brabas - que me deixou abatido como os personagens cadavéricos de Dostoievski, volto para trabalhar no dia 31 de dezembro. Como guardião da International House, fiquei no meu posto até meia noite. Era o guardião de uma casa abandonada em silêncio. No entanto, pude ver os fogos da "Bay Area", na minha frente. Fogos que espocavam sem barulhos, distantes que estavam.

Assim chegou 2004 para mim. Silencioso, discreto, quase tímido. Mas ainda assim promissor.

* * * *

Aproveitando a solidão da portaria da I-House, absorvi-me numa introspecção do tipo "túnel do tempo". Lembrei-me do início de 1994. Dez anos atrás.

Lembro que há dez anos atrás passei o ano novo com minha família. Refiro-e a casa de meus avós, na Encruzilhada - bairro de nome poético e personagens folclóricos.A grande discussão era para saber se Fernando Henrique, então ministro da Fazenda, iria ser candidato apoiado pelo PMDB ou pelo PFL. Quem seriam os aliados de FH?Lembro de meu avô falando sobre as eleições, ressaltando que Quércia seria um candidato forte.

Foi logo no início de 1994 quando Ruth Escobar disse que ter que escolher entre FH e Lula era como escolher entre (Jean Paul) Sartre e um encanador. A resposta de Lula foi boa - grandes tempos em que Lula não falava tanta besteira. Disse ele, muito espirituosamente, que Ruth Escobar poderia passar a vida inteira sem precisar de um sociólogo. Já quanto ao encanador...

Há dez anos atrás, meu irmão estava nos Estados Unidos, fazendo intercâmbio cultural. Lembro que passamos seu aniversário em Itamaracá - quando ele estava em Denver.

Há dez anos atrás, como torcedor alucinado de F-1, estava mais do que certo que Ayrton Senna ganharia o tetracampeonato de F1, com sua imbatível Williams. Assistiria a todas as corridas, inclusive à fatidica do dia 1 de Maio, em San Marino.

Há dez anos atrás, estávamos todos esperando pela seleção de Parreira fazer bonito na Copa dos EUA. Romário era o homem que carregava a esperança da nação de chuteiras.

Há dez anos atrás, ainda morava em Natal. Estudava no CEI. Ia começar a fazer a oitava série, e estava todo animado porque agora teria matérias como Física e Química.

Há dez anos atrás, já lia diariamente a Folha de S. Paulo, pois papai começou assinar esse jornal em 1993 (lembro-me bem disso pois foi na época das eliminatórias de 1993 - e nessa época eu adorava futebol). E começava a descobrir os autores que o caderno Mais! discutia. Lembro de uma edição em que a capa era sobre Nietzsche. Que abalo nos meus nervos. Começava a ler pequenos excertos do homem-dinamite. E eu que até então achava que Dinamite era um atacante do Vasco da Gama.

Dez anos se passaram. Tanta coisa mudou. Outras nem tanto. Assim deve ser com 2004.

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